A CRISE FINANCEIRA – RAÍZES NUM MODELO INVIÁVEL DE CAPITALISMO
A atual crise mundial surgiu nos Estados Unidos, mais precisamente no subprime imobiliário. Além da ausência de regulamentação dos processos financeiros, outro fator que provocou a crise foi a “trajetória neoliberal” da economia dos Estados Unidos iniciada desde a década de 1980¹, com redução dos investimentos nos processos produtivos, fortíssima expansão do consumo e o aumento do déficit externo e interno². A partir daí, a crise atravessou o Atlântico atingindo a Europa e depois o resto do mundo como um efeito dominó, tornando-se sistêmica, afetando o sistema financeiro dos países centrais e contaminando a economia como um todo.
A amnésia histórica e a repressão teórica foram responsáveis para que a maioria dos economistas não percebesse a crise chegando. Achava-se, no começo, que a crise seria como a letra “U”, isto é, o mercado estava em alta, depois chegava a crise, cairia um pouco e logo reergueria, mas com o prolongamento da crise, os especialistas acharam que seria como a letra “L”, com um período maior de estagnação, porém hoje não sabe-se qual letra possa ser.
O filósofo Francis Fukuyama³ disse em 1989 que chegamos ao “fim da história”, isto é, com a queda do muro de Berlim, o sistema capitalista prevaleceu ao sistema socialista, mais precisamente o liberalismo e a constatação da única superpotência hegemônica mundial, os Estados Unidos, sendo assim, que a humanidade chegara à plenitude do estado de bem estar. Agora concordamos que ele havia se enganado.
Com a crise, o então “estado de graça” com que vinha sendo tratado o neoliberalismo desmoronou-se. Sabemos agora que Adam Smith⁴ estava errado e que é uma farsa a “mão invisível do mercado”. A crise surgiu porque os governantes não fizeram o papel de governantes, e agora temos que refletir a questão da função do Estado. O mercado não pode se auto-regulamentar. O Estado tem que ser presente.
No começo da década de 90, o papa do neoliberalismo, Alan Greespan⁵, disse que os EUA caminhavam para uma crise, porém ele foi atacado por quase todos os economistas, inclusive Ben Bernanke⁶. Antes mesmo de Alan Greespan, o filósofo Robert Kurz⁷, previa a crise nos Estados Unidos, declarando que seria a última das crises do Sistema Capitalista. Kurz também previu a queda dos Tigres Asiáticos na década de 90.
Os países centrais acharam que era possível ganhar dinheiro sem produzir. 65 trilhões de dólares de produção de riqueza contra 650 trilhões de dólares de especulação no sistema financeiro.
Estamos vivendo não apenas uma crise sem precedentes, que na verdade não é só uma crise, mas várias: crise financeira, com a desregulamentação do mercado; crise econômico-social, com um modelo de globalização assimétrica; crise ambiental; crise energética; crise alimentícia; crise dos meios de produção e consumo.
O processo de acumulação de capital foi muito rápido nestes últimos cem anos, onde não existiu equidade. Antigamente os países tinham empresas, hoje as empresas possuem países. As três maiores empresas mundiais correspondem ao PIB brasileiro, que é a nona maior economia do mundo.
Trata-se de uma crise de longa duração. O período de estagnação e deflação será entre três e quatro anos. O governo dos EUA fez projeções no início do ano que o PIB do quarto trimestre iria sofrer uma retração de 3,8%, porém registrou-se retração de 6,2%⁸. Esta é a maior queda desde 1982.
Esta crise também se dá pelo alto endividamento dos países centrais, principalmente os EUA, cujo déficit fiscal está entre 11% e 14% do PIB⁹. A Europa começa a ter problemas para pagar suas dívidas, o Japão também está endividado. Os países nórdicos, sempre aclamados pela postura neoliberal de sua economia, estão quebrados. Chegou-se ao ponto de jornais europeus comentarem de que a Suiça está em grandes dificuldades, o que até pouco tempo atrás era impensável.
Enquanto não solucionarmos como o sistema financeiro irá funcionar não voltará a confiança. E cabe principalmente aos Governos atuarem de forma austera no combate à crise. Esperaremos ao próximo capítulo.
RAFAEL DA FONSECA REIS PEREIRA, comunicólogo, pós-graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.
¹ – A dinâmica da degringolada. Le Monde Diplomatique, agosto de 2008.
² – em 2006 o déficit do comércio exterior chegou a 6% do PIB, contra menos de 1% no início dos anos 1980.
³ – economista político e filósofo nipo-estadunidense. Autor de “The end of History”.
⁴ – (1723 a 1790) Foi economista e filósofo escocês, considerado o mais importante teórico do liberalismo, autor de “Riqueza das Nações”.
⁵ – Alan Greespan – economista, ex-presidente do FED (Federal Reserve).
⁶ – Presidente do FED desde 2006 até o final do Governo Bush.
⁷ – Filósofo alemão. Autor de várias obras, entre as quais destaca-se “O colapso da modernização” (1991).
⁸ – Estados Unidos revisam queda no PIB do quarto trimestre para 6,2%, Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 2009
⁹ – Os EUA passaram de um superávit fiscal nos últimos anos da presidência de Bill Clinton a uma duplicação da dívida nacional e um déficit de mais de 1,3 trilhões de dólares no último ano – Americanos estão preocupados com crescimento do déficit fiscal. Efe, 23 de fevereiro de 2009
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