terça-feira, 10 de março de 2009

A CRISE FINANCEIRA – RAÍZES NUM MODELO INVIÁVEL DE CAPITALISMO

A CRISE FINANCEIRA – RAÍZES NUM MODELO INVIÁVEL DE CAPITALISMO



A atual crise mundial surgiu nos Estados Unidos, mais precisamente no subprime imobiliário. Além da ausência de regulamentação dos processos financeiros, outro fator que provocou a crise foi a “trajetória neoliberal” da economia dos Estados Unidos iniciada desde a década de 1980¹, com redução dos investimentos nos processos produtivos, fortíssima expansão do consumo e o aumento do déficit externo e interno². A partir daí, a crise atravessou o Atlântico atingindo a Europa e depois o resto do mundo como um efeito dominó, tornando-se sistêmica, afetando o sistema financeiro dos países centrais e contaminando a economia como um todo.

A amnésia histórica e a repressão teórica foram responsáveis para que a maioria dos economistas não percebesse a crise chegando. Achava-se, no começo, que a crise seria como a letra “U”, isto é, o mercado estava em alta, depois chegava a crise, cairia um pouco e logo reergueria, mas com o prolongamento da crise, os especialistas acharam que seria como a letra “L”, com um período maior de estagnação, porém hoje não sabe-se qual letra possa ser.


O filósofo Francis Fukuyama³ disse em 1989 que chegamos ao “fim da história”, isto é, com a queda do muro de Berlim, o sistema capitalista prevaleceu ao sistema socialista, mais precisamente o liberalismo e a constatação da única superpotência hegemônica mundial, os Estados Unidos, sendo assim, que a humanidade chegara à plenitude do estado de bem estar. Agora concordamos que ele havia se enganado.


Com a crise, o então “estado de graça” com que vinha sendo tratado o neoliberalismo desmoronou-se. Sabemos agora que Adam Smith⁴ estava errado e que é uma farsa a “mão invisível do mercado”. A crise surgiu porque os governantes não fizeram o papel de governantes, e agora temos que refletir a questão da função do Estado. O mercado não pode se auto-regulamentar. O Estado tem que ser presente.

No começo da década de 90, o papa do neoliberalismo, Alan Greespan⁵, disse que os EUA caminhavam para uma crise, porém ele foi atacado por quase todos os economistas, inclusive Ben Bernanke⁶. Antes mesmo de Alan Greespan, o filósofo Robert Kurz⁷, previa a crise nos Estados Unidos, declarando que seria a última das crises do Sistema Capitalista. Kurz também previu a queda dos Tigres Asiáticos na década de 90.

Os países centrais acharam que era possível ganhar dinheiro sem produzir. 65 trilhões de dólares de produção de riqueza contra 650 trilhões de dólares de especulação no sistema financeiro.

Estamos vivendo não apenas uma crise sem precedentes, que na verdade não é só uma crise, mas várias: crise financeira, com a desregulamentação do mercado; crise econômico-social, com um modelo de globalização assimétrica; crise ambiental; crise energética; crise alimentícia; crise dos meios de produção e consumo.

O processo de acumulação de capital foi muito rápido nestes últimos cem anos, onde não existiu equidade. Antigamente os países tinham empresas, hoje as empresas possuem países. As três maiores empresas mundiais correspondem ao PIB brasileiro, que é a nona maior economia do mundo.

Trata-se de uma crise de longa duração. O período de estagnação e deflação será entre três e quatro anos. O governo dos EUA fez projeções no início do ano que o PIB do quarto trimestre iria sofrer uma retração de 3,8%, porém registrou-se retração de 6,2%⁸. Esta é a maior queda desde 1982.

Esta crise também se dá pelo alto endividamento dos países centrais, principalmente os EUA, cujo déficit fiscal está entre 11% e 14% do PIB⁹. A Europa começa a ter problemas para pagar suas dívidas, o Japão também está endividado. Os países nórdicos, sempre aclamados pela postura neoliberal de sua economia, estão quebrados. Chegou-se ao ponto de jornais europeus comentarem de que a Suiça está em grandes dificuldades, o que até pouco tempo atrás era impensável.

Enquanto não solucionarmos como o sistema financeiro irá funcionar não voltará a confiança. E cabe principalmente aos Governos atuarem de forma austera no combate à crise. Esperaremos ao próximo capítulo.

RAFAEL DA FONSECA REIS PEREIRA, comunicólogo, pós-graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.


¹ – A dinâmica da degringolada. Le Monde Diplomatique, agosto de 2008.
² – em 2006 o déficit do comércio exterior chegou a 6% do PIB, contra menos de 1% no início dos anos 1980.
³ – economista político e filósofo nipo-estadunidense. Autor de “The end of History”.
⁴ – (1723 a 1790) Foi economista e filósofo escocês, considerado o mais importante teórico do liberalismo, autor de “Riqueza das Nações”.
⁵ – Alan Greespan – economista, ex-presidente do FED (Federal Reserve).
⁶ – Presidente do FED desde 2006 até o final do Governo Bush.
⁷ – Filósofo alemão. Autor de várias obras, entre as quais destaca-se “O colapso da modernização” (1991).
⁸ – Estados Unidos revisam queda no PIB do quarto trimestre para 6,2%, Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 2009
⁹ – Os EUA passaram de um superávit fiscal nos últimos anos da presidência de Bill Clinton a uma duplicação da dívida nacional e um déficit de mais de 1,3 trilhões de dólares no último ano – Americanos estão preocupados com crescimento do déficit fiscal. Efe, 23 de fevereiro de 2009

A CRISE E O BRASIL – PARADIGMAS PARA AVANÇAR CONTRA A MARÉ

A CRISE E O BRASIL – PARADIGMAS PARA AVANÇAR CONTRA A MARÉ

A crise mundial está aí, e os analistas, que antes tinham três tipos de visões: otimistas, regulares e pessimistas; hoje possuem apenas uma: a visão pessimista.

Estamos ainda no começo da crise que assola a economia mundial. Os países desenvolvidos sentem um impacto maior do que os países em desenvolvimento, pois a crise surgiu nos países centrais, e os emergentes também sofrem, incluindo o Brasil.

Os países em desenvolvimento estão sentindo uma forte contração do crédito e do capital estrangeiro, diminuição das exportações e por conseqüência o preço baixo na venda commodities¹. O desemprego começa a aumentar. A cada 1% de aumento na taxa de desemprego nos países em desenvolvimento representa 20 milhões de pessoas desempregadas². Mas quais são as vantagens comparativas do Brasil?

Primeiramente podemos citar o fato de que o Brasil reduziu a vulnerabilidade externa. Atualmente conta com grandes reservas internacionais, sendo hoje credor internacional³. A Rússia, país que está sofrendo muito com a crise, também possui grandes reservas internacionais, porém o endividamento privado supera as reservas, o que não acontece no caso brasileiro. Temos também uma boa faixa de manobra para que o Banco Central diminua a taxa de juros⁴.

A diplomacia comercial brasileira pautou-se na diminuição do peso do comércio bilateral com os Estados Unidos criando uma maior abrangência de parceiros comerciais, principalmente nas relações com países em desenvolvimento .

A crise dos Estados Unidos foi importante para que o Brasil não tivesse sua própria crise do subprime. Ainda temos um grande terreno de crescimento no setor imobiliário, que representa apenas 3% do PIB nacional⁵ e o governo acaba de lançar um projeto para a construção de 1 milhão de casas populares.

O país construiu nestes últimos anos um grande mercado de massas, crescendo 14% ao ano, sendo que no último trimestre cresceu 10%. Mais de 20 milhões de pessoas ingressaram na classe média, que possui hoje 52% da população, além de 41 milhões de brasileiros que cruzaram a linha de pobreza. Isso se deve graças às medidas sociais adotadas pelo atual governo que visam à redistribuição da riqueza, como por exemplo, o Bolsa Família⁶. Talvez o Brasil possua a maior rede de proteção social do mundo emergente⁷.

Em outras crises a política econômica brasileira se agravava: os juros subiam por conta da alta inflação, a dívida pública aumentava e cortavam-se investimentos. Com a solidez macroeconômica que o Brasil alcançou, pode-se adotar medidas contra-cíclicas, como a ampliação do investimento público e o afrouxamento da política monetária. O país possui a vantagem de já existir um grande projeto nacional para setores estratégicos, o PAC, que outros países estão apenas começando a utilizar para combater a crise.

O mundo está caminhando para uma regulamentação financeira que já existe no Brasil. Na verdade, o que acontece é que sempre fomos criticados por termos uma política monetária conservadora, porém é exatamente por causa dela que sofreremos menos com a crise⁸. Um maior controle do Estado no Sistema Financeiro e a existência de bancos públicos (Banco do Brasil, BNDES) fazem com que o Brasil tenha maiores opções de manobra.

Porém, o Governo ainda necessita ser mais rigoroso com as empresas. A Embraer demitiu 4200 funcionários sem nem ao menos passar por um processo de discussão com os funcionários. Ao ajudar financeiramente as empresas, o BNDES deve também exigir contrapartidas, como a manutenção dos empregos, coisa que não ocorreu neste caso.

Temos a máxima de que excesso de liquidez, especulação, crash, contrição: essas quatro estações dão ritmo à história das finanças desde o século XVIII⁹.

Enfim, o Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise, provavelmente será um dos primeiros a sair dela. Toda crise gera oportunidades e cabe aos governantes fazer com que o país saia mais forte dela.

RAFAEL DA FONSECA REIS PEREIRA – comunicólogo e pós-graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.

¹ - As importações chinesas tem caído cerca de 12% no último trimestre.
² - Fonte: OIT.
³ - em 2003 o país tinha uma dívida externa líquida de 165 bilhões de dólares. Hoje possui reservas em torno de 200 bilhões
⁴ - Henrique Meirelles posicionou-se favorável no Seminário Internacional sobre Desenvolvimento (5 e 6 de março) para que na próxima reunião os juros possam abaixar.
⁵ - enquanto que em países como Espanha o setor representa 30% e nos Estados Unidos 60%.
⁶ - O Bolsa família ajuda cerca de 11 milhões de beneficiários. Ibase, 2008
⁷ - Além do Bolsa Família, o Brasil conta com 7 milhões de seguros-desemprego, 25 milhões de aposentados.
⁸ - The Economist. Brazil’s economy, reaping the rewards indolence. 5 de março de 2009
⁹ - Charles Kindlerberger, Histoire mondiale de La speculation financière, 2004.

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